Wednesday, December 01, 2010


Entre as paredes pintadas de cor pastel, e as nuvens assumindo formas de névoa branca em tons amarelados, dando sinais de que o sol estava presente, era uma tarde, quem sabe correndo para seu final princípio de noite onde cores alaranjadas tomaram conta do céu. Então existiam alguns fetos com suas cabeças enormes e corpos esmilhinguidos a espera de carinho e atenção. Cuidado, ao tocar, ao encostar na sua cabeça pois mais parece uma superfície frágil e que a qualquer momento pode se quebrar. Uma superfície quente pulsando vida que de repente escorrega por entre os dedos das mãos de quem o carrega e cai no chão. Algo estranho acontece, como se o feto estivesse fora de um útero mas ainda não estivesse preparado para isso, então seu crânio se parte em dois como a metade de uma laranja. Para quem deixou ele cair, descuidado, em um piscar de olhos sente como se uma bala tivesse acertado em cheio seu coração, sente pesar, culpa, tenta consertar o erro e felizmente como se fosse possível o crânio se junta novamente em uma parte. Algum tempo depois, só é possível ver a cicatriz, que o feto agora bebe leva em sua cabeça.

Algumas coisas na vida podem ser contornáveis, outras mudam para sempre. Tomemos por exemplo o sentimento de confiança em si, nos outros e na vida. Tem dias que sentimos que os pés fogem do alcance da superfície e podem tocar aquelas nuvens alaranjadas com cores pastel que sugerem um entardecer dos contos de fada, porém, instantâneamente o roteiro pode se modificar e o que parecia rosa se tornar escuro em um piscar de olhos.

Penso que seja dessa forma que funcione a máquina do pensamento humano criando conceitos como confiar, respeitar, entender. Temos duas formas de ver o mundo, a ótica limpa e a ótica suja. Na primeira, você enxerga tudo muito claro, com toda a amplitude que a palavra possui, claro, limpo, confortável, transparente, verdadeiro. Na segunda você enxerga a realidade sob uma perspectiva turva, que a todo momento levanta possibilidades amedrontadores e diferentes perspectivas, muitas delas sombrias, outras não.

Se pensássemos como um computador em que os códigos binários funcionassem como uma orquestra do raciocínio não seria necessário possuir um sistema nervoso que age concomitante e frenéticamente sem que nem mesmo entendamos como nem porque. Ao tomar este fragmento de divagação, idealizando um feto perfeito, onde porém, curiosamente só o que se pode ver dele é mesmo sua cabeça que se distingue do resto do corpo e torna pequenos o resto dos membros, entendemos que talvez tudo que pensamos que possa se quebrar deixando cicatrizes é a nossa integridade e a forma com que vivemos e analisamos o mundo a partir de nossos atos.

A medida que pensamos e agimos, que criamos e construímos verdades, destruímos tantas outras. Assim a vida é um exercício de reconstrução e ao mesmo tempo de demolição. De forma que reconstruir implica necessariamente demolir. Desmanchar algo já feito para então erguer novos alicerces. È assim que funciona. Talvez o sentimento de culpa, de dor, de desconforto vivido pelas mãos que deixaram o feto escapar por entre os dedos, sejam como um presságio, uma forma de entender como podemos perdemos facilmente de nós mesmos, e modificamos a nossa própria rota de vida através de descuidos, que inevitavelmente deixarão cicatrizes, mas que felizmente podem ser reconstruídos.

Agora entendo porque muitas pessoas pensam o amor como uma tarefa de auto-destruição, no bom e no mal sentido. Pois estar em contato com outra pessoa, energia e sentimentos faz com que pensemos a existência de uma forma distinta. Pois parte-se da premissa de que agora existem duas almas a dialogar, diferente de antes em que existia uma alma em um monólogo eterno no ir e vir de suas infinitas personalidades.

È preciso renascer para transcender as fronteiras do auto-conhecimento, dosando cada fragmento para não levar ao extremo de entender que o mundo que construímos novamente é aquele que gira em torno de si mesmo, evitando cair no mal sentido, que leva o indíviduo a total anulação e a destruição literal, ao invés da descontrução.

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