Enquanto você não vê...
“Uma das mudanças básicas nos últimos duzentos anos é a crescente compreensão de que a verdade é construída mais do que descoberta.” (Ernesto Laclau)
Compreender o universo aparentemente pode ser uma tarefa um tanto fácil, a maioria das pessoas pensam que o compreendem. Porém, a compreensão vai além de simplesmente entender um significado. O fato é que não pensamos em compreender há muito tempo. Nossas vidas a cada dia tornam-se mais aceleradas em busca de um fruto perfeito que convencionalmente chamamos de realizações, que por sua vez, não passam de enfadonhos artíficios criados por nós mesmos para distrair nossa existência. A compreensão então, não é palavra de primeira ordem, principalmente no que diz respeito ao nosso aspecto existencial. Nascemos sem nos compreendermos, e é esta busca penosa, e muitas vezes exaustiva, a sobrevivência, que muitas vezes se apresenta em forma de interrogação. Enquanto muita gente não vê, as pequenas singularidades do cotidiano vão desaparecendo a medida em que embrutecemos nosso espírito. Vivemos em uma era paradoxal. Ao tempo que as relações tornam-se passageiras, que nos consideramos fluidos, e desterritorializados, nômades com passaportes carimbados para dialogar entre os espaços e transitar pelas diferentes culturas presentes na sociabilidade, nos tornamos carentes. As necessidades que o mercado introjeta em nós, são uma fonte inesgotável de descontentamento e o capital o motivo pelo qual nossa satisfação ganha sentido. Somos transeuntes de uma passarela transversal, que dita a moda urbana. Esta por sua vez, muitas vezes caricata, despersonaliza os indívíduos de forma que não reconheçam mais seu papel no mundo, e é este o motivo pelo qual a compreensão não possui sentido. O último século se consagrou por solidificar no mundo uma cultura global e trocas e bens de consumo que embutem nossas mais densas fantasias, enquanto preenchemos nossas prateleiras, armários, baús, cômodas, estantes, malas, bolsas e carteiras de quinquilharias, nos despimos de sensações internas. Trasnferimos nossas energias para um mundo exterior, que não nos envia energia alguma, ou seja, dispensamos nossa força, e nosso pensamento em vão. A carência e insustentável sensação de impotência e esgotamento aumenta, pois afinal somos sensíveis, e como uma droga sintética agindo no organismo, oscilamos entre a euforia e o desolamento. Primeiro, a sensação efêmera de conquista se joga em nossa frente derrubando qualquer sentimento ruim, após o efeito passado e a droga se diluído no sangue e se dispersado através das moléculas, a sensação de perda de referencial e de insuficiência voltam a bater na porta. Em um tempo onde as igrejas se proliferam notavelmente na sociedade, reunindo centenas e milhares de pessoas que pensam evocar um deus digno, quando pelo contrário, estão investindo seus últimos centavos em um circo romano onde se paga muito caro pelo ingresso, as pessoas continuam, e se permitem, ser a cada dia, mais e mais carentes. Seria este sentimento uma divida eterna com o mundo com o qual nunca tentamos nos reconciliar. Que ao tentar afugentar nossos mais reconditos medos, vestimos a fantasia prata e aderimos a voz metálica da mecanizando nossas ações, e condicionando nosso pensamento a alcançar metas, que ilusóriamente nos trarão felicidade. Ao analisar sob este prisma, um tema que palpíta em muitas almas e fala para poucos ouvidos, percebemos que viver sim é uma tarefa fácil. Difícl é existir. A existência implica conhecermos para depois reconhecermos, enquanto todos andam enfileirados, está atitude torna-se um tanto difícil, pois afinal, porque optar pela contramão se as regras nos dizem para seguir o fluxo.