Wednesday, April 21, 2010


Ashes and Wine.

Cada gota da chuva escorrendo no vidro, lentamente caindo sob a paisagem nebulosa exterior. A temperatura diferentemente de ontem gela as mãos. Ansiei este momento. Então, como em um filme chamado dejavú, me vejo admirando o céu negro, frio e estrelado. Às vezes é preciso sentir a presença de si mesmo para perceber que o isolamente é a melhor forma de reconhecer o discurso quem vem de dentro. Muitas imagens, muitos sons, palavras, narrativas, conversas por vezes desviam a atenção. A loucura mecânica do dia a dia é compatível com a sensação do momento em que me encontro. Tentando descrevê-lo arriscaria falar que é como comer um doce salgado, sentir algo leve pesado, perceber estranhamente que as coisas estão fora e ao mesmo tempo no lugar. Sentir-se melancólico e não triste, confortável em um caos, gostar e desgostar...

A secret Place

Imagine uma rua onde pessoas circulam frenéticamente, luzes, cores, cheiros se misturam ao burburinho do lugar. Há um movimento intenso no ir e vir dos passos apressados na calçada, enquanto as luzes dos postes iluminam o caminho e as vitrines acrescentam um charme a mais ao lugar. Pequenas redômas de vidro que fabricam sonhos de consumo, há diamantes brilhando dentro delas. Logo a multidão passante se dispersa e resta o cenário vazio. Perambulam pelos corredores estreitos das calçadas antes abrigadas por passos vindos de todos os lugares, gatos, cachorros à procura de comida e almas desconsoladas que perderam o caminho para casa em busca de diversão e satisfação momentânea nos poucos bares ainda abertos. É possível avistar uma escada, me parece que este mesmo cenário já fora concebido outras vezes, já o devo tê-lo imaginado. Há uma música ao fundo, mulheres dançam e se despem por dinheiro, enquanto sapatos lustrosos encostam-se na plataforma que as abriga sob luzes estroboscópicas e flashes verdes. Fumaça se mistura ao aroma etílico destilado no ambiente, poderia acontecer uma cena de sexo explícito ali naquele momento. Mas os falsos púdicos se escondem atrás de cortinas prateadas, onde os prazeres falam mais que a própria razão violando aos poucos os limites da condição individual e humana que o livre arbítrio os legou.

Há um fetiche em imaginar os lugares perniciosos, onde qualquer libertinagem é mera questão de gosto. Não é a primeira vez nem a última que o faço. Talvez seja uma forma de descrever o quanto estamos presos a estereótipos pré concebidos dentro de uma escala comum de papéis, que mesmo que nos achemos livres o suficiente para ser e imaginar o que quisermos, ainda assim não o fazemos. Nos auto censuramos. Levo este exemplo ao extremo para tentar compreender porque muitas vezes as coisas que dependem única e somente de nós muitas vezes não saem como gostaríamos porque simplesmente não o fazemos, deixamos passar.Temos vontades, motivações que parecem assombrações surreais, que nos assustam quando invadem nossos pensamentos em uma tarde chuvosa por exemplo. Começo a reconhecer que as únicas pessoas que se permitiram realmente exprimir sua loucura nua e crua, talvez bons escritores, artistas, inventores, no fundo, estavam apenas criando uma maneira de entender a si mesmo, que no fim das contas, acabaram por criar uma terapia coletiva que compreende um punhado de gente. Então isso acontece porque somos iguais? Não, obviamente. Mas temos as mesmas fraquezas, medos parecidos, inclusive este de violar a conduta que nos impomos, ou que alguém nos impõe. Longe de mim querer violar algo, se violássemos mais nossas mentes perceberíamos talvez que há uma caixa de segredos, a esta sim, eu sou totalmente a favor. È como reconhecer em um terreno onde só se vê grama, coisas guardadas entre as raízes mais profundas da terra. Algo me inspirou intensamente no dia de hoje, sinto isso, vivo isso, e respeito minha intensa vontade de externar em palavras.


Flash, Back, Again

Yahn Tiersen é um pianista francês incrível. Sua loucura não ultrapassa a trilha sonora de Amélie Poulain ou sua performance no piano. Porém ao tempo que invade meus ouvidos de uma melodia que embala o que tento descrever, complementa minhas palavras nas entre linhas que o discurso sonoro se permite preencher. Há um quê de mistério, drama, romance, intensidade, e extremismo em cada nota que pesa nas teclas do piano. Eu ousaria dizer que ele traduz o sentimento que é andar pelas ruas de Paris. Há um clima extremamente sentimental, e apaixonante no ar. É de senso comum ouvirmos comentários a respeito da magnitude que o simbolismo da cidade possui, porém na verdade, o que inquieta é realmente a curiosidade, tentar adivinhar o que há por trás dos rostos que se transfiguram na agitação das ruas. O que esconde cada alma. Talvez eles contemplem o belo, contemplem mais a arte do que qualquer outra paisagem no mundo, transpirem e a refletem em todos os cantos da cidade. Vivem não o amor, mas o sentimento à flor da pele, a intensidade apaixonante que é viver cada instante quando se está verdadeiramente inspirado para isso. A arte não é o ópio do povo, como na grécia antiga, somente as divindades a ousavam contemplar. A arte é o ópio da vida, da individualidade, da identidade única e não do senso comum.