Sunday, February 21, 2010


ENTRE PAPÉIS E RECORTES...

Avisto um ônibus há alguns metros de distância. De onde ele vêm?
Talvez traga consigo almas sedentas de atenção, talvez traga apenas passageiros ou não traga ninguém. Durante a manhã ensolarada onde o cheiro de madeira eucalipto se espalha pela superfície enquanto borboletas pousam e repousam inquietas sobre os recantos do imenso jardim, ouço o barulho dos pássaros zunindo em sinfônia com as máquinas e as crianças correndo na grama. Estou em movimento, sentindo o sol penetrar na pele, nos poros revitalizando os pulmões cansados de respirar o ar rançoso de uma sala com computadores. Corro e os olhos passam rapidamente fotografando as imagens que avisto nesta manhã agradável de verão. Estou isolada sob a condição da minha existência, um indivíduo a observar os recortes picoteados do universo ao seu redor. Reflito sobre a loucura, de repente ouço alguém me chamar, respondo com um aceno e prontamente esta pessoa vem até mim. Traz uma história consigo, dentro da insanidade existe um espaço para a loucura do mundo real. Ouço, respondo, penso, falo, rio. Quem vem até mim é uma adolescente, provavelmente deve ter lá seus 13, 14 anos, em vésperas de natal eu lhe pergunto quais os presentes que o Noel vai lhe trazer e ele repsonde: - esse cara não existe, é um velho pobre. Complementa acrescentando que sua mãe não vai dar presentes esse ano e que esta prestes a se mudar para a casa do pai porque apanhou do irmão. Até aí, nada de anormal. Segundos depois este alguém some juntando-se a um grupo indiscriminado de crianças, pré-adolescentes acompanhados de suas monitoras. Se não fossem as inscrições na parte superior do para-brisa daquele ônibus em que embarcaram, nem desconfiaria que se tratava mesmo é da loucura, uma loucura pura tingida pela maldade do mundo, não aquela aceita pelos indivíduos comuns e aparentemente normais, e sim a condenada pela limitação que a própria fisiologia impôe. A loucura genuína, sem máscaras. A mistura de inocência com fragilidade me faz pensar que se o mundo fosse povoado em sua maioria por este tipo de louco, talvez a humanidade ainda teria conserto.
Tudo é uma questão de ponto de vista, e geralmente esse ponto perpassa nossa capacidade sensível de compreender como as coisas funcionam e realmente são. Às vezes me disfarço com um óculos e suas lentes de aumento, noutras prefiro os escuros, e na maioria das vezes opto pelas lentes de contato. Porém, quando meus olhos repousam, e se banham na escuridão molhada de vultos encantadores, imagino um mundo despido de qualquer véu. Ao tempo que ele me fascina, assombra e hipnotiza, causa múltiplas e diversas sensações...
Fico pensando em quantas pessoas vivem no mundo, em diferentes pontos do planeta com histórias igualmente diferentes e ao mesmo tempo com dramas tão iguais. Começo a compreender que toda essa pantomima organizacional de posições privilegiadas na sociedade e outras nem tanto, se trata na verdade de uma fuga para escondermos por trás de alguns ícones a figura a qual jamais ousamos revelar aos olhos do mundo, nossa essência inteiramente corrompida e humana que insiste em perverter nossos gostos e amordaçar nossa língua enquanto queremos gritar que somos sim, extremamente diferentes e únicos.
Tudo funciona como a cadeia alimentar em que os seres puramente instintivos fazem suas presas, dependemos necessariamente de outras pessoas mesmo que de forma indireta, assim como elas dependem de nós. Neste momento não me sinto mais isolada em um lugar qualquer do planeta e sim percebo que faço parte dele, que estou em sincronia com a sua existência seja como uma consequência da reprodução ou mesmo como um agente causador das minhas revoluções, mesmo que estas sejam internas.
Estar não significa meramente a presença em si e sim o entendimento do que significa o ato presente, seja neste instante, no anterior, nos próximos minutos ou no que nosso vão entendimento considere eternidade.
Cenários modificam-se como um passe de mágica, o que antes parecia intocável ganha novos contornos lapidados por mãos de aço, e o momento que pensei reviver agora, algum tempo depois, é um reles documento invisível que guardo na minha infinitude digital.
Assim como a mudança de personagens e palcos durante esta narrativa foi o objetivo maior da minha descrição, a partir de agora alguma célula dentro de mim se modifica, alguém perde algo terrivelmente importante enquanto o outro ganha na sorte instantânea. Vive-se intensamente enquanto morrem pessoas, cortam-se árvores e constroem-se impérios de vidro inquebrantável enquanto o ônibus apinhado de crianças volta para a escola cheio de esperanças para o ano que esta por vir,comprovando que a mudança é o motivo pelo qual continuamos vivendo.

Dezembro, 09

1 comment:

Anonymous said...
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